quinta-feira, 7 de abril de 2011

Informe-se

burroUma unidade lexical que tem recebido a explicação é etimologia popular a palavra burro.
Segundo José Pedro Machado (Dicionário Etimológico da Língua Inglês – 2.ed. Lisboa: Aiguabarreig, 1967, sv), o nome burro, animal, Burrus vem do nome em latim, designando as cores vermelha ou Destiny. Ele acrescenta que “em Portugal, o burro é comum e freqüentemente chamado de” cinza “. Mas, aparentemente, isso não é realmente uma explicação satisfatória.

Existem histórias curiosas a respeito da origem dessa palavra. Uma delas sugere que burro, significando pessoa pouco inteligente, tenha vindo do nome latino da cor vermelha burrus, porque os dicionários tinham antigamente a capa vermelha. Como aquele que os consultava era ignorante ou burro, o nome da cor do livro, por metonímia, teria passado a designar o consulente e, por extensão, teria passado a designar todo aquele que fosse curto de inteligência.
Em Aventuras de um caçador de palavras (Rio de Janeiro: Acadêmica, 1965, p. 48 – 51), Aires da Mata Machado Filho, no estudo “Origem da palavra burro”, procura explicar como a palavra burro adquiriu a acepção escolar de “tradução literal de autor clássico para uso dos estudantes”, e refere-se também à crença greco-latina na estupidez do burro. Não é do burro, o livro facilitado, nem do sinônimo de “pouco inteligente” que venho falar aqui. Nem eu teria competência para acrescentar algo ao estudo sério do escritor mineiro. Nem mesmo pretendo falar da expressão “cor de burro quando foge”, que Castro Lopes acredita ser corruptela de “corre de burro quando foge”, num estudo incluído às páginas 249 – 250, do seu Origens de anexins (2. ed. – Rio de Janeiro – Francisco Alves, 1909). Afinal, argumenta Castro Lopes, burro não apresenta nenhuma cor especial quando se põe em fuga. É possível contudo que a expressão “cor de burro quando foge” se refira à cor vermelha que um fujão possa apresentar (a etimologia explicaria a expressão).
Burrus é adjetivo de primeira classe em latim. Os adjetivos latinos de primeira classe têm declinações e formas distintas para cada um dos três gêneros: o masculino (em –us) e o neutro (em –um) seguem a segunda declinação, e o feminino (em –a) segue a primeira declinação. Assim, burrus tinha três formas: burrus (masculino), burra (feminino) e burrum (neutro). Segundo Ernout & Meillet (Dictionnaire étymologique de la langue latine – Paris – Klincksieck, 1967, s.v.), burro origina-se do grego pyrrós, e designa a cor ruiva. De burrus – dizem esses autores – deriva um adjetivo burranicus, substantivado, atestado pelo gramático Pompeius Festus (séc. II d.C).
A palavra francesa bourrique, para designar o asno, origina-se do espanhol borrico, pelo latim popular *burricus, alteração, por cruzamento, de burrus (ruivo) ou burra (crina) com buricus (pequeno cavalo), segundo Bloch & Wartburg (Dictionnaire étymologique de la langue française – 6.ed. Paris – Presses Universitaires de France – 1975, s.v.). Também há em francês bourricot e bourriquet.
Borrico, segundo Corominas (Diccionario crítico etimologico de la lengua castellana – Madrid – Gredos, 1976, s.v.), se origina do latim tardio *burricus (cavalo pequeno). O dicionário de latim de Lewis & Short (A latin dictionary – Oxford – Clarendon Press, 1975, s.v. burricus) registra burricus ou buricus, com a indicação de que a palavra foi usada por Varrão, Paulinus Nolanus e Vegetuis Renatus, com o sentido de “pequeno cavalo”.
Burro só pode ser, portanto, uma derivação regressiva de burricus, em português. Confirma-o o Dicionário etimológico da língua portuguesa (Rio de Janeiro: Acadêmica, Francisco Alves, São José, Livros de Portugal – depositários, 1955, s.v.), de Antenor Nascentes, que rejeita, citando Diez, “a aproximação com o lat. burrus, ruivo(…)”.
A forma hipotética *buricus, registrada no citado dicionário de Ernout & Meillet, é palavra do latim vulgar, sinônima de mannus, designação dialetal de pônei, poldro ou potro.
Do adjetivo burrus, ruivo, temos o português borro (designativo do carneiro entre um e dois anos) e borracho (que designa o pombo sem penas, por sua coloração avermelhada). E possivelmente borrega (ovelha de um ano). Talvez não mais que isso. Infelizmente… para os que dão asas à imaginação, formulando histórias bonitas para suas etimologias populares.

Informe-se



ArrobaDe onde vem o misterioso sinal @, a que os portugueses chamam «arroba», os norte-americanos e ingleses «at», os italianos «chiocciola» (caracol) e os franceses «arobase»? Porque razão foi ele escolhido para os endereços de correio electrónico? Na verdade, não conhecemos ao certo a origem deste misterioso símbolo. Nem estávamos preocupados com o problema, até que ele começou a entrar no nosso dia-a-dia e foi preciso arranjar-lhe uma designação.
A princípio, os portugueses chamavam-lhe «caracol», «macaco» ou outro nome claramente inventado. Depois, houve quem reparasse que a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira dizia tratar-se do símbolo de arroba, pelo que esse nome pegou.
Que terá a arroba a ver com esse sinal? Não se sabe ao certo, mas há pouco mais de um ano, o investigador italiano Giorgio Stabile descobriu um documento veneziano datado de 1536 onde esse símbolo aparecia. Estava aí a representar ânforas, utilizadas como unidades de peso e volume. Posteriormente, num vocabulário Latim-Espanhol de 1492, Stabile encontrou o termo «arroba» como tradução castelhana do latim «amphora». A ânfora e a arroba, concluiu o investigador italiano, estariam na origem da estranha letra retorcida.
O encadeamento dos factos é fascinante, mas há pontos obscuros. A palavra «arroba» não tem qualquer relação com «ânfora», pois vem do árabe «ar-ruba’a», designando «um quarto» ou «a quarta parte», como se aprende no Dicionário Etimológico de José Pedro Machado. Trata-se de uma unidade de peso que equivale a 14,788 quilogramas e que habitualmente se arredonda para 15kg. Podia ser que uma ânfora cheia de vinho tivesse esse peso, mas a semelhança fica por aí.
No século XVII o mesmo símbolo reapareceu, mas com outro significado. Utilizava-se para abreviar a preposição latina «ad», que significa «para», «em», «a», e que se usava para introduzir os destinatários das missivas. Condensava-se o «a» e o «d», num único carácter. É a chamada ligatura. O dicionário brasileiro Aurélio diz que ligatura é a «reunião, num só tipo, de duas ou mais letras ligadas entre si, por constituírem encontro frequente numa língua». Nesse mesmo dicionário da língua portuguesa confirma-se o símbolo @ como abreviatura de arroba.
O misterioso @ continuou a ser utilizado até ao século XIX, altura em que aparecia nos documentos comerciais. Em inglês lia-se e lê-se «at», significando «em» ou «a». Quem percorra as bancas de fruta ou os mercados de rua norte-americanos vê-o frequentemente. Os vendedores escreviam e continuam a escrever «@ $2» para significar que as azeitonas se vendem a dois dólares (cada libra, subentenda-se). Para eles não se trata de nenhuma moda: sempre viram aquele símbolo como a contracção das letras de «at».
Na máquina de escrever Underwood de 1885 já aparecia o @, que sobreviveu nos países anglo-saxónicos durante todo o século XX. O mesmo não se passou nos outros países. No teclado português HCESAR, por exemplo, que foi aprovado pelo Decreto-lei 27:868 de 1937, não existe lugar para o @. Por isso, quando o símbolo reapareceu nos computadores, ele tinha já um lugar cativo nos teclados norte-americanos, por ser aí de uso frequente. Nos nosso teclados só foi acrescentado nos anos 80 e encavalitado noutra tecla: é preciso pressionar simultaneamente Ctrl+Alt+2 ou AltGr+2 para o fazer aparecer.
Quando o correio electrónico foi inventado, o engenheiro Ray Tomlinson, o primeiro a enviar uma mensagem entre utilizadores de computadores diferentes, precisou de encontrar um símbolo que separasse o nome do utilizador do da máquina em que este tinha a sua caixa de correio. Não queria utilizar uma letra que pudesse fazer parte de um nome próprio, pois isso seria muito confuso. Conforme explicou posteriormente, «hesitei apenas durante uns 30 ou 40 segundos… o sinal @ fazia todo o sentido». Estava-se em 1971 e esses 30 ou 40 segundos fizeram história, mas criaram um problema para os países não anglo-saxónicos. Não foi só nos teclados, foi também na língua.
Em inglês, «charles@aol.us» entende-se como «Charles em aol.us», ou seja, o utilizador Charles que tem uma conta no fornecedor AOL, situado nos Estados Unidos. Mas em português não soa bem ler «fulano@servidor.pt» dizendo fulano-arroba-servidor.pt. Nem tem muito sentido. Mas qual será a alternativa? Uma solução seria seguir o inglês e dizer «at». Outra ainda seria dizer «a-comercial», como nos princípios do século XX se chamava a esse símbolo no nosso país. Talvez o melhor fosse utilizar «em». Mas haverá soluções mais imaginativas. Quem quiser gastar o seu latim pode proclamar «ad», rivalizando em erudição com o mais sábio dos literatos. Ou surpreender toda a gente, anunciando uma «amphora» no seu endereço.