Porque a gente Sonha?
Em 1900, o austríaco Sigmund Freud causou uma revolução no estudo da
mente ao publicar A Interpretação dos Sonhos. Nele, o pai da
psicanálise contestava a noção bíblica de que os sonhos eram fenômenos
sobrenaturais, dizendo que derivavam da psique humana. Decifrá-los,
portanto, seria a chave para entender o que se passa dentro da nossa
cabeça. Essas teorias foram ridicularizadas por muito tempo, mais de 100
anos depois, elas estão sendo testadas.
A primeira idéia de Freud confirmada pela ciência é a de que os
sonhos seriam restos do dia. Ou seja: algo que acontece com você de dia
reverbera durante os sonhos. A comprovação científica disso foi feita
em 1989 por Constantine Pavlides e Jonathan Winson na Universidade
Rockefeller. Ao observar cérebros de ratos, eles descobriram que os
neurônios mais ativados durante o dia continuavam a ser ativados durante
a noite. Do mesmo modo, os neurônios pouco ativados durante o dia
tampouco eram durante a noite.
O que isso significa? “Significa, por exemplo, que, se uma pessoa
teve hoje uma experiência marcante, a chance de essa experiência entrar
em seu sonho é muito grande”, diz Sidarta Ribeiro, diretor de
pesquisas do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e
Lily Safra (IINN–ELS). “Se ela foi atacada por um tubarão, é provável
que sonhe com tubarão. Se foi para a guerra do Iraque, nos próximos
anos vai sonhar com guerra. Isso é o resto diurno levado às últimas
conseqüências.” Mas, como em nossa vida moderna ninguém tem
experiências extremas todos os dias, os sonhos acabariam sendo uma
mistura simbólica de um monte de coisas, como Fruem havia previsto.
Você pode sonhar hoje com tubarão, a manhã com jacaré, depois com
afogamento, simbolizando todos eles uma mesma experiência. Mas de onde
viriam aqueles sonhos malucos, com cenas que você nunca viu? Para a
ciência, do seu inconsciente. É lá que estão guardadas as lembranças que
você adquiriu ao longo da vida. Quando você dorme e começa a sonhar,
seu sono entra na fase R EM (sigla em inglês para Movimento Rápido dos
Olhos). “O sono REM faz ovos mexidos com suas memórias. Ele as concatena
de uma forma não comum”, diz Sidarta.
Isso acontece porque o cérebro está em altíssima atividade nessa
fase, mas não tem as informações sensoriais da vigília. Não conta com
cheiros, imagens, sons nem outras informações que temos quando estamos
acordados. A atividade sensorial está livre e vai aonde quiser,
seguindo os caminhos mais usados – que são as memórias mais fortes. Ou
seja: seus sonhos com imagens aparentemente inéditas seriam apenas
combinações de uma série de símbolos que você já conhece de outras
experiências. Ok, mas sonhar serve para o quê?
“Tudo indica que o sonho tem a função de simular comportamentos –
tanto os que levam a recompensa (os bons) como os que levam a punição
(os pesadelos)”, diz Sidarta Ribeiro. “Portanto, sua função seria
evitar ações que resultem em punição e procurar aquelas que levam à
satisfação do desejo.” Esse processo funcionaria da seguinte forma.
Imagine uma cotia. Seu pesadelo é que a jaguatirica apareça quando ela
estiver bebendo água.
Assim, da próxima vez que for ao lago, essa memória voltará e ela
terá mais cuidado (evitando a punição). E o sonho bom da cotia? É
encontrar um campo com sementes gostosas. Portanto, se ontem ela passou
num lugar que tinha sementes, seu sonho será ela voltando àquele
lugar, pois talvez haja mais alimento a li amanhã (levando à
recompensa). O curioso é que essa tese combina, de certa forma, com a
idéia freudiana de que a função dos sonhos é a satisfação do desejo,
teoria que havia se tornado motivo de chacota nas últimas décadas.